domingo, maio 05, 2013

Aninha-me em teu colo como outrora...

                                William-Adolphe Bouguereau 

 Minha mãe, minha mãe, eu tenho medo
Tenho medo da vida, minha mãe.
Canta a doce cantiga que cantavas
Quando eu corria doido ao teu regaço
Com medo dos fantasmas do telhado.
Nina o meu sono cheio de inquietude
Batendo de levinho no meu braço
Que estou com muito medo, minha mãe.
Repousa a luz amiga dos teus olhos
Nos meus olhos sem luz e sem repouso
Dize à dor que me espera eternamente
Para ir embora.  Expulsa a angústia imensa
Do meu ser que não quer e que não pode
Dá-me um beijo na fonte dolorida
Que ela arde de febre, minha mãe.

Aninha-me em teu colo como outrora
Dize-me bem baixo assim: — Filho, não temas
Dorme em sossego, que tua mãe não dorme.
Dorme. Os que de há muito te esperavam
Cansados já se foram para longe.
Perto de ti está tua mãezinha
Teu irmão. que o estudo adormeceu
Tuas irmãs pisando de levinho
Para não despertar o sono teu.
Dorme, meu filho, dorme no meu peito
Sonha a felicidade. Velo eu

Minha mãe, minha mãe, eu tenho medo
Me apavora a renúncia. Dize que eu fique
Afugenta este espaço que me prende
Afugenta o infinito que me chama
Que eu estou com muito medo, minha mãe. 

Vinicius de Moraes

quinta-feira, maio 02, 2013

Pernoito na precária vida do fogo...

(Addiragram-Faial)
   
Os Barcos são a imagem que resta para fugir
mas só as palavras nos embriagam
são labareda que devora os barcos e a memória
onde nos movíamos
esquecemos o que nos ensinaram
e se por acaso abríssemos os olhos
um para o outro
encontraríamos outra imobilidade outro abismo
outro corpo hirto
latejando na imperceptível ferida nocturna

pernoito na precária vida do fogo
este rumor de mãos ao de leve pelo corpo
adormecido na superfície do espelho
assalta-me o desejo incerto de te acordar
e o medo de querer de novo tudo reinventar

(Al Berto - Vigílias)