("Aguarelas de Turner"- Florença. 2010)
" Foi em Florença, portanto, que descobri que ela ultrapassara todas as minhas esperanças.
A fonte inesgotável da minha- como dizer?- nova paixão por ela foi, evidentemente o calor. Ela dizia:« Eu gosto do calor.» Ou : « interesso-me por tudo que esqueço o calor.» Descobri que não era verdade, que era impossível um ser humano apreciar aquele calor, que se tratava da sua mentira de sempre, a mentira optimista, que as coisas só a interessavam porque assim decidira e por ter banido da sua vida essas liberdades que tornam o humor perigosamente variável. Que se ela um dia duvidasse de que o calor era, de facto, bom, acabaria por duvidar do resto, por exemplo, das esperanças depositadas em mim serem tão fundamentadas quanto era o seu desejo. Que não sofria pelo facto de duvidar do que quer que fosse neste mundo, para além da dúvida que considerava "criminosa". Por muito pequenas que fossem, que pudessem parecer, descobri por fim, eu, o campeão da mentira, que as suas mentiras eram muito diferentes das minhas.
- Até mesmo os peixes morrem com este calor-dizia-lhe eu.
Ela ria-se. Eu nunca insistia, evidentemente. Descobri ainda que se mantivera sempre mais estranha para mim durante todo o tempo em que viveramos juntos do que, por exemplo, os peixes francamente mortos do Arno que empestavam na realidade o ar da cidade. Ela nunca foi vê-los. Afirmava não sentir o seu espantoso fedor canicular. Eu então aspirava o seu perfume como se fosse um ramo de rosas. Descobri que nem mesmo quanto ao estado do tempo estivéramos de acordo. "
( Marguerite Duras- O marinheiro de Gibraltar)