Oh, minha querida Marty, quanto pobres nós somos! Supõe que iríamos dizer ao mundo que estávamos a planear partilhar a vida e que eles nos perguntassem: qual é o vosso dote? Nenhum a não ser o nosso amor um pelo outro. Nada mais? Agora ocorre-me que precisaríamos de dois ou três pequenos quartos para viver, comer e receber as visitas, e um fogão onde o fogo para as nossas refeições nunca se apague. E pensa então em todas as coisas que temos de ter nesses quartos! Mesas e cadeiras, camas, espelhos, um relógio que lembre ao feliz casal a passagem do tempo, uma poltrona para uma hora diária de doces sonhos, tapetes que ajudem a manter os soalhos limpos, quadros na parede, serviços para o dia-a-dia e outros para ocasiões festivas, uma pequena despensa, e um grande molho de chaves-que têm de fazer muito barulho ao chocalharem umas nas outras. Teremos tanto para desfrutar, os livros, a mesa de costura e a lâmpada acolhedora, e tudo deverá estar sempre em boa ordem, ou então a dona de casa, dividiu o seu coração em pequenos pedaços, cada um para cada peça da decoração, irá chatear-se. E este objetivo deve ser testemunha do trabalho árduo que mantém o lar, do sentimento pela beleza, dos queridos amigos que queremos recordar, das cidades que visitámos, das horas que queremos lembrar. E, tudo isto, um pequeno mundo de felicidade, de amigos silenciosos e provas de elevados valores humanos, ainda se mantém só no futuro; ainda nem sequer desenhámos a fundação da casa, pelo que, por enquanto, apenas existem duas criaturas que se entretêm a amar-se uma à outra.
Iremos apoiar os nossos corações nestas coisas tão pequenas? Sim, e sem hesitação, por tanto tempo até que algum eventual evento fora do nosso controlo venha bater à nossa porta silenciosa. E claro teremos todos os dias que dizer um ao outro que nos continuamos a amar.
Sigmund Freud- Cartas a Martha
A inventariação da felicidade.
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