sexta-feira, fevereiro 27, 2009

Como um doido inspirado...

(Chagall)

Como um doido inspirado, Augusto entregou-se à tarefa. Nada havia a perder. Pelo contrário, havia tudo a ganhar. Cada nova pirueta, cada nova fantasia,significava para António um recomeço de vida. Continuando a aperfeiçoar o número, anotava mentalmente os pormenores, a fim de explicar ao camarada, com toda a exactidão, como reproduzir os efeitos ali mesmo conseguidos. Saltaricava de um lado para outro como três pessoas distintas numa só: Augusto, o mestre, Augusto na qualidade de António e António na qualidade de Augusto. E acima e para além destas pairava uma quarta entidade que cristalizaria e com o tempo acabaria por se impor: António na qualidade de António. Um António renascido, ou, para ser mais exacto, um António in excelsis. Quanto mais pensava neste António (era espantoso o número de especulações que ele se permitia em plena actuação) tanto mais atento estava aos limites e susceptibilidades do personagem que ia recriando. E era em António que pensava sempre, não em Augusto. Augusto estava morto. Não tinha o menor desejo de o ver reincarnado num António de renome mundial. Toda a sua preocupação consistia em tornar António tão famoso que nunca mais pudesse haver qualquer alusão ao Augusto. Nos jornais da manhã seguinte multiplicavam
-se os elogios ao palhaço António. É claro que na véspera, antes de se retirar, Augusto explicara ao patrão o seu projecto. Ficou assente que seriam tomadas todas as precauções para manter o plano no segredo absoluto. Como ninguém, afora os elementos da companhia, sabia da doença de António continuava na ignorância do futuro glorioso que lhe fora preparado, as perspectivas afiguravam-se animadoras.(cont.)

(Henry Miller- O Sorriso aos pés da escada)

1 comentário:

  1. Ola. Vi alguma coisa do Turner na Tate Gallery em Londres.Realmente interessante. Parabens pelo Blog.

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