quinta-feira, maio 15, 2008

Entre estes dois extremos existe o ruído interrupto do mundo


(Gaugin)
Vimos do silêncio e para o silêncio. Depois do fim e antes do princípio estamos reduzidos à utopia absoluta da sonoridade zero, daí as suas naturezas mortas. Mas entre estes dois extremos existe o ruído ininterrupto do mundo. Até na ruralidade mais profunda de uma ilha do Pacífico zumbem insectos, piam aves nocturnas, há latidos esparsos de cães.O vento agita levemente as folhas, os troncos rangem devagar e o fresco rumor dos ribeiros só tem repouso quando, hipótese improvável, secam. Daí que o silêncio seja sempre mais um estado afectivo do que uma constatação objectiva. (...) Quando entramos na imobilidade sonora dos grandes espaços utópicos- o mar, a montanha ou o deserto- é como se entrássemos num templo a céu aberto com vitrais imaginários. A qualidade sonora do lugar mede-se pela cumplicidade silenciosa que permite, pelo recolhimento que suscita, pelo sentimento de distante presença que induz. É a este propósito que se fala de"genius loci" e de "química do instante" que são dois modos de dizer que está provisoriamente suspenso o que nos separa dos outros, da natureza e de nós próprios.
Foi desse refúgio insonorizado do Pacífico, dessa utopia muda, que Gauguin nos remeteu o brilho triste e prodigioso das suas telas. Admiramo-las com a respiração suspensa, contribuindo deste modo para que o silêncio seja, agora sim, o mais possível absoluto.

(Fernando Gandra- O Sossego como problema(peregrinatio ad loca utopica). Fenda

Lançamento do livro de Fernando Gandra na Casa Fernando Pessoa, amanhã ,16 de Maio pelas 18h e 30m apresentado pelo Prof. Doutor Diogo Pires Aurélio
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