segunda-feira, maio 28, 2012

Adeus Amelia...Fica a tua luz...


Infelizmente conheci Amélia Pais já tarde. Esse privilégio foi dado pelo tempo dos blogs. "Aguarelas de Turner" era uma criança recém-nascida quando foi visitado ou lhe desaguou no cais "Ao longe barcos de flores".
Nascia assim um conhecimento que se fazia através das escolhas que cada uma de nós fazia. Eu, uma simples amante da poesia, ela, uma Senhora que tratava por tu as letras, com uma escolha de textos e poemas, onde se misturavam sensibilidade e saber. 
A pouco e pouco a simpatia entre nós foi crescendo e dela decorreram alguns contactos mais pessoais. Através do seu blog fui podendo sentir como amou e continuava a amar o ensino no verdadeiro sentido da palavra, isto é, pelas sementes que pode deixar às gerações que por ela passaram. Amélia Pais fazia-me lembrar a minha professora de português dos anos sessenta não só pela estatura física como também pela estatura ética. Cheguei a dizer-lhe isto  não exactamente por estas palavras.
E como todas as pessoas que gostamos pensamos que as teremos sempre ao nosso lado.
 Ultimamente este meu lugar de poesia tem andado um tanto ou quanto descurado, mas não faz ainda muito tempo que Amélia me disse como continuava a gostar de vir aqui. Li o seu comentário com um sorriso e um brilho nos olhos...Ela estava a dizer-me, pensei eu, que gostaria que este meu  barquito continuasse a navegar. Disse-lhe (sem lhe dizer) que estava à espera que a maré o ajudasse e que seguramente, apesar de andar um pouco pela borda de água qualquer dia  ele se faria de novo ao mar da poesia. 
Não sei agora como terminar esta nossa  conversa...Talvez recordando o seu último comentário ao texto-poema de José Luís Peixoto : "e eu aqui a lembrar-me da Valsinha

Adeus Amelia, até  sempre...Fica a tua luz.


quarta-feira, maio 23, 2012

O enigma da poesia...

 
    (Édipo e a esfinge)
A poesia é expressão de origens. Solicitado pela noite animal e a plenitude solar, um poeta talhou na rocha uma forma visível da sua condição. Compreender a Esfinge, compreender a poesia é olhá-la sem a tentação de lhe perguntar nada. E aceitar o núcleo de silêncio donde todas as formas se destacam. A obra vale pela densidade de silêncio que nos impõe. Por isso os poetas que imaginam dizer tudo são tão vãos como as estátuas gesticulantes.
Agora é fácil compreender como pôde nascer o mistério da esfinge. O enigma da poesia. Ele existe para homens incapazes de acolher esse silêncio original. Gente que não compreende, enquanto não substitui a irredutível figura de uma obra, a ímpar forma de um poema, por uma palavra, por um discurso. Só o criador sabe que no lugar de uma forma não havia outra forma e que o dicionário é impotente para os filólogos quanto mais para os poetas. Mas há os outros, os arqueólogos do coração e da inteligência, ‘outros’ que podem ser os próprios poetas quando deixam de estar vigilantes. Assim aconteceu ao criador da Esfinge (daquilo a que os ‘outros’ chamariam Esfinge).
É humano sentir-se cansado ao fim duma obra. O nosso poeta cansou-se e adormeceu entre as patas poderosas da sua criatura. Durante a noite o vento do deserto (e todos os criadores serão conduzidos ao deserto em certas horas, como o Cristo) arrastou a areia e cobriu com ela as raízes da criatura e o seu criador».

 In Eduardo Lourenço, Tempo e Poesia, Gradiva, Lisboa, 2003.

sábado, maio 19, 2012

Que tristes os caminhos, se não fora...



    (Henrique Pousão)

Se as coisas são inatingíveis... ora!
não é motivo para não querê-las.
Que tristes os caminhos, se não fora
a mágica presença das estrelas!

Mário Quintana 

terça-feira, maio 15, 2012

Onde pousas as tuas mãos...

   (Picasso)
 
Onde tu pousas as mãos, 
naturalmente 
eu vou pousar as minhas. Um silêncio
faz-se pela casa, uma luz coada vem da janela
e cobre os móveis de uma poalha 
doirada. Os objectos estão quietos 
como nunca. 

Onde tu pousas as mãos,
onde tu pousas mesmo se brevemente as mãos,
torna-se íntima a percepção que se tem de cada hora, 
de cada amanhecer, 
de cada exacto momento. O entardecer
é só um vasto campo que se abre,
um rumor de folhas que restolham no jardim.

Escrever é ler,
ler é escrever - eu sei isso
porque em cada sítio onde [do meu corpo] tu pousaste as tuas mãos
ficou escrito - eu vejo-o:  nítido - 
sobre o mais frágil espelho dos sentidos, uma palavra que se lê 
de trás para diante. Quando te deitas eu sinto-lhe o perfume, 
que é o da noite que entra pela janela.

E onde tu pousas as tuas mãos faz-se um rio
de prata e de quietude mesmo nas minhas mãos 
que pousam onde as tuas foram antes procurar
a quietude, procurar as tuas mãos. São exactas as tuas mãos,
são necessárias, têm dedos
que são os filamentos de gestos que descrevem na penumbra
desenhos tão perfeitos que surpreendem.

Onde tu 
pousares as tuas mãos
eu quero estar.
Exactamente como a sombra 
cai na sombra. A água
na água. O pão  
nas mãos.

(Bernardo Pinto de Almeida)



domingo, maio 13, 2012

Sete anos...

                                 

Cortar o tempo

Quem teve a idéia de cortar o tempo em fatias,

a que se deu o nome de ano,
foi um indivíduo genial.

Industrializou a esperança, fazendo-a funcionar no limite da exaustão.


Doze meses dão para qualquer ser humano se cansar e entregar os pontos.

Aí entra o milagre da renovação e tudo começa outra vez, com outro número e outra vontade de acreditar que daqui pra diante vai ser diferente



Carlos Drumond de Andrade

sexta-feira, maio 11, 2012

Escutemos em silêncio...

segunda-feira, maio 07, 2012

A felicidade aparece para aqueles que choram...



     (Bouguereau)


O sonho

Sonhe com aquilo que você quer ser,

porque você possui apenas uma vida
e nela só se tem uma chance
de fazer aquilo que quer.

Tenha felicidade bastante para fazê-la doce.

Dificuldades para fazê-la forte.
Tristeza para fazê-la humana.
E esperança suficiente para fazê-la feliz.

As pessoas mais felizes não tem as melhores coisas.

Elas sabem fazer o melhor das oportunidades
que aparecem em seus caminhos.

A felicidade aparece para aqueles que choram.

Para aqueles que se machucam
Para aqueles que buscam e tentam sempre.
E para aqueles que reconhecem
a importância das pessoas que passaram por suas vidas.



Clarice Lispector

domingo, maio 06, 2012

Maternidade...

                      (Picasso)

sábado, maio 05, 2012

O mundo parou...

O Primeiro Beijo

  Durante todas as noites desse verão, as estrelas foram líquidas no céu. Quando eu as olhava, eram pontos líquidos de brilho no céu. Na primeira vez, encontrámo-nos durante o dia: eu sorri-lhe, ela sorriu-me. Dissemos duas ou três palavras e contivemo-nos dentro dos nossos corpos. Os olhos dela, por um instante, foram um abismo onde fiquei envolto por leveza luminosa, onde caía como se flutuasse: cair através do céu dentro de um sonho.

Naquela noite, fiquei a esperá-la, encostado ao muro, alguns metros depois da entrada da pensão. As pessoas que passavam eram alegres. Eu pensava em qualquer coisa que me fazia sentir maior por dentro, como a noite. As folhas de hera que cobriam o cimo do muro, e que se suspendiam sobre o passeio, eram uma única forma nocturna, feita apenas de sombras. Primeiro, senti as folhas de hera a serem remexidas; depois, vi os braços dela a agarrarem-se ao muro; depois, o rosto dela parado de encontro ao céu claro da noite. E faltou uma batida ao coração.

O mundo parou. Sombras pousavam-lhe, transparentes, na pele do rosto. O ar fresco, arrefecido, moldava-lhe a pele do rosto. E o mundo continuou. Ajudei-a a descer. Corremos pelo passeio de mãos dadas. A minha mão a envolver a mão fina dela: a força dos seus dedos dentro dos meus. Na noite,os nossos corpos a correrem lado a lado. Quando parámos: as nossas respirações, os nossos rostos admirados um com o outro: olhámo-nos como se nos estivéssemos a ver para sempre. Quando os meus lábios se aproximaram devagar dos lábios dela e nos beijámos, havia reflexos de brilho, como pó lançado ao ar, a caírem pela noite que nos cobria.

José Luís Peixoto, in 'Cemitério de Pianos'

terça-feira, maio 01, 2012

Como se a fome alheia não fosse fome de comer...

    (Júlio Pomar)                                                                  
porco trágico I

conheço um poeta
que diz que não sabe se a fome dos outros
é fome de comer
ou se é só fome de sobremesa alheia.

a mim o que me espanta
não é a sua ignorância:
pois estou habituado a que os poetas saibam muito de si
e pouco ou nada dos outros.

o que me espanta
é a distinção que ele faz:
como se a fome da sobremesa alheia
não fosse
fome de comer
também. 
(Alberto Pimenta)